Ho Chi Minh City – Artigo 4 Concurso

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Depois de várias escalas numa viagem low cost, cheguei.Não me lembro do dia em que saí, sei que apenas cheguei naquele dia. Esta falta de noção de tempo é o início de uma viagem em que o tempo não existe. As horas, os dias e as semanas perdem-se numa fluidez livre sem métrica. As portas de vidro de Ho Chi Minh City abriram-se, senti conforto naquele cheiro adocicado que não soube identificar de momento, naquela junção de humidade e calor que dão um brilho especial à pele. Aqui estava eu de volta àquele caloroso continente que sempre me fará regressar.

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Chegada a Ho Chi Minh City

Uns vinte homens surgiram de repende “taxi!!” “taxi!!”, diziam eles. Escolhi um sorriso sem dentes mas genuino, um sorriso que conta uma história de tempos de guerra, mas que hoje sorri com uma alegria inspiradora. Mesmo dentro do carro, de janelas fechadas e com uma nova aragem, fresca e seca, sentí o cheiro já identificado a gengibre. Lá fora, duas, três pessoas, uma familia inteira, outras duas a carregarem um armário, e tantas outras mais, nas suas pequenas motorizadas carregadas ao limite, e ao som de ruidos estridentes e constantes, que ditam as regras de trânsito daquele lugar, e que despertaram os meus ouvidos para uma nova realidade sonora.

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O caminho fez-se para a frente, para Pham Ngu Lao, a low cost street dos backpackers, onde a partilha de experiências, o ser viajante nato e descobridor, é o elo dos que por lá se cruzam, e se vêm com aconchego, como se de velhos amigos tratassem.

Cheguei a Kim’s hostel, limpo e barato, segundo o meu guia-mentor. Fui recebida com sorrisos de boas vindas, mas estes, naquele instante não tão sinceros. Após ter tido tempo suficiente em ter participado num grupo de intercâmbio de idiomas que sucedia no átrio da recepção, informaram-me que o quarto onde iria passar os próximos dias seria noutro edificio, do outro lado da rua.

Calcei os chinelos, e caminhei atrás do recepcionsta de passos largos.Um edificio sem destaque, encaixado no meio de outros tantos com paineis luminosos que chamavam a atenção, mesmo a dos mais distraidos, numa pequena e estreita rua, onde todos cabiam e tudo parecia acontecer.Cá fora, um carrinho ambulante com uma vitrina de frangos depenados e estendidos de pernas para o ar, um buffet de comida que não reconheci, e o vendedor sentado de pernas estiradas, rendido à inercia e tranquilidade do local, tapavam a entrada daquele edifico.

Entrei numa sala com mesas de plástico vermelho de tamanho diminuto, vazias e dispersas, uma mulher a dar banho a um bébé num pequeno alguidar cor-de-rosa e duas crianças a fazerem os trabalhos de casa, naquelas mesas à sua medida, cada um concentrado no seu afazer, sem que a invasão de uma estranha os fizesse distrair. Preparava-me para subir as escadas, quando fui surpreendida por um cheiro intenso e nauseabundo, vindo de outro compartimento, espreitei e sorri para uma mulher de expressão engelhada, sentada de cócoras em frente a uma fogueira no meio do chão. Com receio que a resposta fosse prejudicar o meu apetite a novos sabores e texturas, optei por não perguntar o que estava a cozinhar.

Subi as escadas, o calor estava abrasador e aquele cheiro intensificava-se cada vez mais. O recepcionista, aguardando-me já à porta do quarto dizia – “fresh air inside!”.
Abri a porta, e notei na pele de galinha dos meus braços, o choque de temperaturas. Visualizei um quarto de grande dimensão onde cabia uma familia numerosa, com uma mini cozinha, uma casa de banho pré instalada sem tecto, uma televisão grande e antiga que dominava a atenção, uma classica aparelhagem, um computador deteriorado com internet instalada e uma mezzanine com mais camas. Estranhei aquela imensidade, mas o cansaço fez-me ficar.

Na manhã seguinte, dirigia-me à recepção do hostel do outro lado da rua, onde o pequeno-almoço seria servido, quando me deparei com o vendedor, a mulher com o bebé nos braços, as duas crianças, e a senhora de expressão engelhada a tomarem o seu pho matinal (sopa tradicional de massa de arroz) naquela sala de mesas vermelhas. Encontrei nos seus olhares a ternura de uma familia adoptiva.

O dia tinha amanhecido, e escutava-se uma mistura de barulhos agradáveis. Havia uma frescura suave e um cheiro a terra molhada, proveniente das lavagens matinais das esplanadas de cada estabelecimento. Locais de chapeú de folhas pedalavam nas suas bicicletas, também estas, carregadas aos extremos traziam jaca, pitaya e bananas, outras bicicletas estavam encostadas prontas a serem abastecidas, mulheres carregavam num dos ombros uma longa balança equilibrada de pratos de verga com saquinhos de abacaxi e manga descascadas e cortadas aos pedaços, prontos a serem consumidos, e outros vendedores ambulantes carregavam nas suas mãos cestas de bolos doces. Todos numa marcha delicada atenta a fregueses desejosos.

Naquela Ásia, não há pressa, o querer chegar rapidamente a um lugar é substituido pelo caminho que se percorre para chegar a esse lugar, cada passo que se dá é tão ou mais importante como o fim desse caminho.Tomei o pequeno-almoço rodeada de histórias, com plena atenção escutei a experiencia de uma jovem americana que tinha acabado de chegar a Kim’s hostel. Viajava sozinha, não sabia em que dia da semana estávamos e muito menos que dia era. Tinha vindo de Hanoi a Ho Chi Minh, num autocarro local de 48 horas, mas que segundo “eles” a viagem demoraria apenas 24 horas. Falou das paisagens, das povoações e das pessoas, dos sabores, das indetermináveis paragens para arranjar um pneu furado, dos amigos que fez, da redescoberta de uma paz e tranquilidade nunca antes avistada.

São nestes transportes terrestres em que se viaja ao longo de largas distancias, são nestes lugares familiares onde se dorme e se partilha refeições, que se descobre uma verdadeira parte da humanidade, os sentidos ficam mais apurados, tudo se vê, tudo se sente, como fosse uma primeira vez e a dificuldade por vezes encontrada dará prazer à chegada.

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Fiquei um tempo a meditar sobre as novas sensações adquiridas desde que cheguei àquela cidade faz umas horas. Apercebi-me então que tinha ficado em casa da família do recepcionista, que me confirmou com uma extraordinária naturalidade simpática. Uma situação tão peculiar e surreal no Ocidente, mas ali, no Sudeste Asiático não! As coisas são simples e fáceis de serem solucionadas.
Este é o princípio de uma viagem à volta do Vietname, em que cada instante será recordado para sempre, como uma bagagem que fará parte integrante do meu ser.

Artigo escrito por:
Helena Ribeiro
Carnaxide, Oeiras

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